Eu e meu companheiro de mesa no jantar começamos a trocar figurinhas sobre nossas respectivas palestras que ocorreriam no dia seguinte. De campos diferentes, não reconhecíamos o nome um do outro. Contei-lhe sobre as evidências que temos encontrado de que nossa espécie é só mais um primata, dona do maior número de neurônios no córtex cerebral, mas, graças a isso, capaz de criar, transmitir culturalmente e acumular tecnologias e conhecimento que nos tornam uma potência cognitiva.

Uma das nossas conquistas cognitivas, por meio de decisões inteligentes, é a qualidade de vida, que inclui a sensação de felicidade. Essa, por sinal, era a praia do meu comensal: como lidar positivamente com o estresse e encontrar e cultivar o bem-estar.

Rapidamente convergimos sobre nossa impressão de que jornalistas e boa parte da sociedade em geral gostam de demonizar a tecnologia como um mal da vida moderna.

Na opinião do meu vizinho de jantar, poder usar tecnologias digitais é maravilhoso, mas um problema é que nossos feitos cognitivos passam a ser etéreos, intangíveis, guardados em nuvens. Em suas pesquisas, ele descobriu que uma das maiores fontes de prazer para nós humanos é construir algo com as mãos. E poucas pessoas fazem isso em seu dia a dia.

Pensei em meu prazer recém-descoberto: a jardinagem. Em meu trabalho, construo conhecimento que ocasionalmente ganha vida em papel, materializando-se em artigos e livros. Meu jardim, ao contrário, é tangível toda vez que olho pela janela ou coloco chapéu e luvas. Meu companheiro de jantar aprovou.

Suzana Herculano-Houzel é neurocientista, professora da Universidade Vanderbilt

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