“Dor é psicológica”, dizem alguns. Não é bem assim, não no sentido de ser a dor inventada ou inexistente: a percepção de dor é sempre real para o cérebro, não importa de onde ela venha – e o cérebro age de acordo, deixando o corpo tenso, preparado para se retirar ou lidar com algo que não deveria estar acontecendo, mesmo que a causa da dor não seja prontamente identificável.

O que torna possível a percepção consciente da dor de origem física é seu registro pelos neurônios do chamado córtex da ínsula. A porção posterior da ínsula recebe sinais de lesão ou inflamação em algum local do corpo, casa essa informação com outras sobre o que é e onde está aquela parte do corpo, e pronto: dói o dedão do pé, doem os pontos na barriga, dói o corpo todo.

O curioso é que não é essa dor que incomoda. Antes de chegar à ínsula, o circuito que leva os sinais de lesão do corpo ao cérebro passa por várias estruturas, que já começam a tratar do corpo, proteger a parte lesionada, e até deixar o corpo todo tenso, a postos.

Mas o incômodo, mesmo, vem do córtex que recebe resultados da ínsula posterior. E incomoda mesmo que a dor física já não mais chame a atenção. O cingulado anterior é capaz de registrar o estado de tensão do corpo, a angústia mental.

E assim não dói, mas dói. Dói na alma, mesmo que não no corpo, porque dói no cérebro.

Dessa dor que não dói, a gente só se dá conta quando ela para de doer. Quando você respira aliviada, subitamente ciente de que a realidade não era bem como você pensava. Agora, sim, está tudo bem.

Suzana Herculano-Houzel é neurocientista e professora da Universidade Vanderbilt

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